DAMAS CLASSICAS em Lagos

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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A paixão pelas Damas!

Ainda do Damista Medalha da Silva, a conclusão de um excelente jogo com um amigo de Almada.


Solução: 21-17 19x14, 17-13 8x18, 27x17 19x26, 30x7 4x11, 12-8 GP. 
 
 
 A paixão pelas Damas!
 
 
Das minhas buscas sobre Damas, encontrei um artigo de um apaixonado por este jogo que não poderia deixar de publicá-lo, pois acho que merece a pena dar a conhecer a todos os damistas o que é o amor por esta modalidade desportiva. Não conheço o Sr. José Bray, mas penso que será alguém conhecido no mundo das Damas.
 

Damas e Xadrez, duas paixões na minha vida.

Conforme diz um filósofo meu amigo, temos de viver em estado de paixão todo o tempo que passarmos neste mundo. Temos de ter amantes, sempre sem excepção, sejam de que tipo for. Durante a minha existência vivi sempre em paixão, duas das minhas amantes foram as Damas e o Xadrez. Com estas paixões o meu tempo poderia ter sido totalmente preenchido e ainda precisava de mais. Não foi isso que aconteceu, porque muitas outras coisas preencheram o meu percurso. Na verdade a vida de um ser humano é muito curta para uma só dessas paixões quanto mais para as duas. É sobre elas que vou escrever.

Conheci primeiro as Damas, teria nessa altura uns onze anos e foi no Hospital de São José. Na minha enfermaria, um doente fez-me a apresentação do maravilhoso jogo das Damas, já lá vão quase sessenta anos. O homem passava o dia a resolver problemas e eu sempre que podia sair da cama dava logo uma passeata até ele. Fascinado passava lá horas observando e aprendendo.

Durante vários anos o meu contacto com as Damas foi quase nulo, esporadicamente joguei umas partidas com o senhor Américo, um dos anjos de Campo d’ Ourique e na Ermegeira com o meu tio Alberto. O nível era muito baixo, nem eu nem eles jogávamos pilinha, ou seja nada.

Um dia fui viver para Moscavide, e lá, entrei um dia no Café Avenida que como o nome indica estava na principal via do bairro. Aquele Café era também conhecido pelo Café das Damas, porque lá, para além de se beber café e engatar as duas empregadas, só se jogava as Damas. Todas as mesas tinham um tabuleiro com dois a jogar e vários mirones a ver e a comentar. Era um estabelecimento humilde e não muito asseado frequentado por gente do povo. Era contudo uma casa de respeito, não era casa de putas, as empregadas raparigas simples não se prostituíam, iam sem dúvida com quem tivesse lábia e elas engraçassem. Mas eu não comecei a frequentar por isso mas sim atraído pelo fascínio das Damas. Como insecto atraído pela luz, era também eu atraído pelo jogo. Para além do trabalho e de outras paixões foi a minha casa durante os meus dezanove, vinte, vinte e um e vinte e dois anos. Ao fim e ao cabo até ir para o serviço militar, mesmo assim ainda ia lá até embarcar para África em dezoito de Agosto de mil novecentos e sessenta e seis.

Durante os meus dezanove anos fiz uma evolução meteórica, além de fazer muitas amizades. Comecei a organizar coisas, incluindo o campeonato de Moscavide em três categorias, 1ª, 2ª e 3ª, cada categoria foi disputada por dez jogadores. Venci a primeira categoria em 1964 e fui segundo em 1965 estando já na tropa. Organizei uma super prova de equipas a dez jogadores. Competiram nesse campeonato; Moscavide com duas equipas, Odivelas, Almada com duas equipas, Cacém, e Lisboa com duas equipas. Não me lembro de mais, mas é possível que houvesse alguma que agora não me recordo.

Era um jogador muito forte e todos me gabavam pela minha boa educação e postura. Comecei a ser idolatrado, coisa que também acontecia no meu mundo profissional. Lembro-me de jogar no Rossio no Café Portugal com grandes campeões, Mesquita, Mendo dos Santos, que anos depois encontrei em Luanda e com quem joguei, Afonso Fernandes, irmão de Júlio Santos do xadrez, Euclides Costa e muitos outros. Tudo isto aconteceu, após sair às 18 horas do emprego e antes de ir jantar e vadiar.

Fiquei com amigos em todo lado em especial em Moscavide; Armando, Delicado, Julião, Gordo (alcunha), Hélder o mais novo (que encontrei anos depois na Biker em Luanda), Cameira, Inácio, Pires, Grilo, Faísca, João, e muitos mais.

Naquele Café Avenida, muitas estórias se passaram. Os homens, povo simples, eram felizes com a sua paixão pelo jogo. De um modo geral não andavam ali pelas gajas, não se embebedavam nem gastavam dinheiro em batotas. As Damas tinham uma função social, coisa que naquela altura nem me passava pela cabeça. Fui sem dúvida um pouco responsável por todo aquele movimento, como estrela mas também como organizador. Houve outros que colaboraram e muito! Um dia um campeão de Almada foi ao Café para jogar comigo um encontro a dez jogos, contaram à volta da mesa trinta e dois mirones. Está tudo dito…por aqui se percebe a paixão que ia naquele Café Avenida pelo jogo das Damas.

Em Moscavide a razão de haver tanta gente a jogar Damas derivou do pessoal do matadouro municipal. Este organismo tinha muita gente que estava muitas vezes sem que fazer, então para o pessoal não estar ocioso um responsável fomentou a prática deste jogo e em boa hora o fez. Quando fazíamos patuscadas o que acontecia regularmente, a rapaziada do matadouro trazia e fazia um petisco com colhões de carneiro. A primeira vez fez-me confusão, mas depois verifiquei que era bom.

Os tempos passaram, embarquei para Luanda e acabou a minha estória das Damas em Moscavide. Ficaram as recordações de muitos amigos e de grandes batalhas no tabuleiro.

Luanda, Setembro de 1966. Começou a minha saga das Damas em Angola, a primeira partida foi com o Doutor Videira vice-presidente da Câmara Municipal de Luanda, nas instalações do clube da autarquia, depois o meu parceiro por sinal muito fraco foi o velho Loureiro, um jovem com mais de oitenta anos que fora para Luanda já velho para viver com um filho. Estes dois amigos eram muitos especiais, o doutor tinha uma garrafa de whisky em cada cabaret da cidade, estava sempre meio grogue. Por sua vez o velhote era de uma alegria esfusiante, uma imensa vontade de viver. Durante a tropa, entre o trabalho fora do quartel, copos, vadiagem, ir ao clube da Câmara era um escape. Nas agradáveis instalações também se jogava King e Bridge. Tempos mais tarde ao entrar na vida civil, afastei-me e perdi de vista o Videira e o Loureiro na voragem da vida.

Foi então o tempo de conhecer os grandes jogadores de Luanda, Correia considerado o maior, Quintã parceiro com quem joguei durante anos, Santos, Mendes, Eduardo, André, Vicente, Rui, Benjamim, Cunha e muitos outros. A FNAT de Angola convidou-me para colaborar na organização de provas de Damas para trabalhadores, aceitei. Foi assim que conheci muitos negros a jogar e bem, eles eram muito viciados nesta modalidade. Foi o tempo de me deslocar ao interior do musseque para jogar com os velhos sábios, conforme narrativa que faço noutro texto.

Em 1969 venci o campeonato de Luanda e fui a Nova Lisboa (actual Huambo) jogar o Nacional ficando em segundo após longa batalho com o Hilário Elias um super campeão. Mas mais tarde descobri que houve vigarice, em estória longa de contar.

Em 1970 voltei a vencer o torneio de Luanda, nesse ano o nacional foi na capital, venci à vontade porque o meu rival Elias não competiu e os outros não deram luta.

Em 1971 fui tricampeão em Luanda, o nacional foi na Gabela. Numa batalha memorável de sete horas derrotei sem aldrabice o Hilário e pela segunda vez fui campeão de Angola.

No tempo em que joguei as Damas tanto em Portugal como em Angola passaram-se estórias muito interessantes e aprendi muito na vida.

Deixei de competir em Damas, por razões diversas. Em 1972 comecei a jogar Xadrez, foi o tempo do encontro para título mundial Spassky contra Fischer, uma batalha União Soviética/Estados Unidos que empolgou o mundo e muito fez a favor da promoção da Xadrez.

Após o meu regresso a Portugal só esporadicamente joguei provas de Damas, mesmo assim nos anos 1981/82/83 joguei alguns torneios esmagando os meus adversários. Mas era tempo do Xadrez, modalidade que comecei a praticar em Angola a partir 1972 como disse atrás. Não quero passar a narrativa para o Xadrez sem declarar que sempre fui muito feliz a jogar Damas, sempre me deu muito prazer, muito gozo mesmo! Coisa que no Xadrez nem de perto se aproximou! 19/6/2013

Continua….

Vamos então falar dessa coisa chamada Xadrez. O primeiro contacto com este jogo foi a compra de um livro de bolso da colecção Edições de Ouro editado no Brasil, foi no dia 10 de Agosto de 1967. Estava portanto na tropa, foi um motivo de curiosidade pois não gastei qualquer tempo com a sua leitura. No fim do ano de 1968 após passar à peluda comprei um tabuleiro com peças no Bazar Japonês rua Serpa Pinto, loja aonde trabalhava a minha amiga Zé, irmã do camarada Cabrita e mãe do Joel Xavier. Então na primavera de 1969 na casa da Maluquinha da Maianga aprendi as regras em simultâneo com a minha companheira que entretanto chegara a Luanda. Só as regras e mais nada! Dois anos depois em 1971 comecei a olhar com atenção para o tabuleiro e peças, na esplanada do Café Baia na marginal de Luanda, assistindo a partidas disputadas pela malta da JAEA e outros. Em 1972 joguei o primeiro campeonato da 3ª categoria e da 2ª, no ano seguinte 1973 alcancei a difícil 1ª categoria em luta contra 15 fortes jogadores, tendo feito 9 pontos em 15, ou seja 60%, ficando num brilhante 5º lugar. Depois ao jogar o campeonato de Angola, a 3 de Outubro deixei de fumar. Até aí não só fumava como quase os comia.

Em 1974 já depois do 25 de Abril fiquei em 2º no campeonato de Angola, tendo sido campeão o Carlos Oliveira. Em 1975 venci o Angola Livre (nacional da transição) perante uma centena de jogadores.

Neste período complexo e de complexos, organizei diversas provas, por exemplo um torneio internacional de equipas, Angola, Cuba, União Soviética e os Cooperantes (leia-se portugueses). Havia vergonha em assumir a presença dos ex colonizadores. Durante a transição e mais algum tempo o chamado complexo colonial, deu origem a algumas estórias ridículas. Alguém chegou a questionar o porquê das brancas jogavam primeiro, houve mesmo a sugestão de alterar a ordem, assim como deixar de designar as peças por brancas e pretas, sugerindo dar outra nomenclatura às cores. Claro que o bom senso venceu, em parte imposto pelos soviéticos, para quem os angolanos pouco contavam.

A minha vida xadrezistica em Angola pouco interesse tem para mim, o mais importante foi a fundação da Academia de Xadrez de Luanda, projecto impar na capital de Angola. Tenho a história da mesma noutro texto há muito escrito. Merece a pena a leitura dos estatutos da Academia, para os amigos da onça perceberem o que se passava na colónia portuguesa. Claro que não fui só eu, o João Palma também se empenhou na sua criação, talvez até mais que eu. Os amigos do Xadrez foram muitos, recordo alguns nomes, além de mim e do Palma, Mário Silla, Carlos Oliveira, Jorge Gusmão, Mário Morais, irmãos Miranda, os três Gomes, Fernando Vasconcelos, Lima Pereira, Augusto Dias, José Dias, Barbosa, Galvão, José Domingos, Matos, Guimarães, Pais Faria, Trindade, António Correia, Rui Couto, Franco (oculista), Daniel Freire, Araújo Pereira, e muitos mais que agora não recordo o nome, ou que nunca o soube.

Antes de abandonar Angola no fim de 1977, recebi a visita de Mendes de Carvalho figura grada do MPLA, prisioneiro do Tarrafal que aprendeu a jogar com peças feitas de pão e tabuleiro inscrito no chão. Um dia recebi uma carta do governo assinada pelo poeta António Jacinto (ministro da educação), agradecendo o excelente projecto e garantindo o apoio do governo para tudo que fosse preciso.

Regressei a Portugal, mas antes de partir, não toquei no rico património da Academia, ao contrário de muitos outros, nada trouxe, nada roubei. Património angariado em grande parte por mim. O meu tempo de Angola tinha terminado.

27/6/2013

José Bray

1 comentário:

Unknown disse...

Caro amigo Bray, Refere um Mário Morais em Luanda, não será antes Pedro Morais? Abraço